O futuro dos artistas é competir com inteligências artificiais?

Quando redes neurais entregam artes belíssimas a partir de comandos de texto, como designers, arquitetos e artistas podem reagir?

Eu pedi à máquina que desenhasse “O sonho da autópsia de um ser cósmico”. Após um minuto de processamento, a máquina entregou o que eu pedi.

A máquina em questão é o Midjourney, sistema automatizado que gera imagens a partir de texto. “Imagens”, aqui, em sentido amplo, indo do fotorrealismo às ilustrações abstratas.

Atualmente, mais de 900 mil pessoas tentam explorar as potencialidades do sistema. E também seus limites. Essa era minha intenção ao pedir que ele desenhasse algo tão absurdo. Afinal, o que é um “ser cósmico”? Como se faz uma autópsia em tal ser? Eu mesmo – que não entendo nada de Artes Plásticas ou Visuais – não conseguia imaginar um desenho com essa descrição.

Então os resultados vieram. E minha impressão foi de que a máquina tinha acertado em cheio.

“O sonho da autópsia de um ser cósmico” (Midjourney)

Como a máquina aprendeu a desenhar tão bem

A parceria entre arte e sistemas computacionais não é nova. As primeiras experiências nesse sentido datam dos anos 1960, quando computadores já conseguiam entender certos padrões geométricos e criar variações a partir deles. Mas ferramentas como o Midjourney vão muito além dessas capacidades mais simples, como o exemplo acima deixa claro.

Foram os avanços mais recentes em machine learning que levaram arte computacional a este estágio. A partir de conjuntos gigantescos de dados, é possível treinar redes neurais para analisar imagens e entender seus componentes. Esse processo também possibilita que inúmeras variações de uma mesma coisa sejam aprendidas. Assim como estilos artísticos.

O pulo do gato está na etapa seguinte. É possível treinar o sistema para explorar o espaço entre os objetos catalogados e classificados, e gerar suas próprias variações deles. O termo técnico para descrever esse processo é exploração de espaço latente, como explicou o artista, professor e programador Sergio Venancio ao Tecnocast.

É assim que imagens das mais surpreendentes são geradas. O Midjourney – e outros sistemas do tipo, como o DALL-E 2 e o Stable Diffusion – vasculham os espaços entre os elementos aprendidos, e concebem novas versões e combinações entre esses elementos.

Mais explorações do espaço latente

Vejamos mais alguns exemplos.

O prompt utilizado para a arte abaixo foi “Um robô detetive descobrindo a verdade, noir, retrofuturista”. Na primeira parte do prompt, indiquei os elementos que queria na imagem. Parte da descrição é bem objetiva (“robô”, “detetive”); já “descobrindo a verdade” pode ser interpretado de diversas maneiras. A ideia era estabelecer certa atmosfera. Os dois últimos termos eram estilísticos: a imagem devia ter uma pegada retrofuturista e noir. Eis o que o Midjourney gerou:

“Um robô detetive descobrindo a verdade, noir, retrofuturista” (Midjourney)

Nesta outra, pedi uma imagem a partir do prompt “As ruínas de uma cidade outrora grandiosa, destruída pela passagem do Leviatã de areia”. Não dei nenhuma instrução estilística dessa vez:

“As ruínas de uma cidade outrora grandiosa, destruída pela passagem do Leviatã de areia” (Midjourney)

É discutível se o Midjourney conseguiu captar bem a ideia por trás de cada comando (pelo menos a ideia que eu tinha em mente), mas as ilustrações não deixam de ser versões intrigantes desses prompts. E ajudam a ilustrar essa capacidade de explorar espaços e associações entre conceitos. De minha parte, posso dizer apenas que jamais teria conseguido transformar nenhuma dessas ideias num desenho minimamente coerente.

Artistas devem ficar preocupados?

A questão é que, por mais que eu seja um zero à esquerda quando se trata de arte, há muitas pessoas plenamente capazes de desenhar a partir dos prompts que criei. No entanto, artistas humanos demorariam mais tempo para criar suas versões da arte. E provavelmente não sairiam tão em conta quanto uma assinatura do Midjourney ou DALL-E 2.

Quais são as perspectivas para profissionais cujo trabalho pode ser replicado por essas ferramentas? Na opinião de Sergio Venancio, há, de fato, perigo real para eles. Mas há um antídoto: se apropriar ativamente desses sistemas.

Essas pessoas que estão trabalhando apenas para atender demandas devem se preocupar nesse sentido. “Como é que eu vou fazer agora que tem essa ferramenta competindo comigo?” (…) De repente se você é um artista que se antecipa, um designer que usa essa ferramenta a seu favor, no seu processo criativo, eu acho que tem muito jogo pra você dizer: “Eu crio em cima, me aproveito dessas ideias (…) e ofereço pra você uma imagem que é mais do que uma imagem criada por inteligência artificial.”

Sergio Venancio

Esse cenário envolveria uma preocupação maior com interpretar os resultados oferecidos pela IA e agir em cima deles. Isso é verdadeiro para artistas e designers, mas também para diversas outras áreas onde as redes neurais podem ser inseridas.

Outro exemplo dado por Venancio é a medicina. Quando uma IA treinada em diagnósticos aponta que certo paciente tem uma alta probabilidade de desenvolver câncer, o caminho do médico não é apenas tomar a informação como 100% certa. É saber interpretar os resultados, confrontá-los com outros casos, e fornecer uma opinião ainda mais embasada a partir da contribuição da inteligência artificial.

Em outras palavras, o futuro dos designers, arquitetos e artistas pode depender em grande parte de como vão se apropriar de sistemas como Midjourney e DALL-E 2. E, com a popularização destas ferramentas, talvez este seja um bom momento para começar.

Artigo Original TecnoBlog

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *